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Epifania


Texto: Maria Shu

Direção: Bruno Carboni

Elenco: Lilian Prado

dramamix

SP Escola de Teatro | 12/11/16 | 22h30

Ela está doente. Mal consegue escrever sem que seus dedos anunciem os sintomas. Quando a doença habita lá dentro e aproxima o corpo do fim, suspeito que o sujeito sinta-se acima (não como valor, mas como qualidade geográfica) dos outros. Como se, diante da fatalidade prematura e anunciada, o sujeito possa ser tudo. Ela, a escritora, está doente e sente toda a inquietação de sua enfermidade em cada palavra proferida, em cada tecla da máquina de escrever. Como dar vida aquilo que está morrendo aqui dentro? Como se morre quando a vida sufoca lá fora? A escritora está mergulhada nessa ambivalência. Seu processo de escrita é tão profundo quanto solitário. Os pensamentos nunca silenciam e, por isso, ela escreve de ouvido. Não sabe inventar histórias, apenas as replica. Ela é pulsão, angústia e vivacidade. Seus olhos brilham na mesma medida em que o teto desaba gotas contínuas sobre sua cabeça. Ela não é escritora de levar um balde de água fria. Sua morte é lenta e gradual. São gotas que caem aos poucos, que encharcam aos poucos, que a matam aos poucos. Mas ela resiste, ao menos até que a personagem pare de gritar em seus ouvidos e ganhe um corpo de palavras. Ela quer a esperança de volta, mas quando chega ela faz a esperança sentir medo e fome. Gosta de ver essa coisa verde e magra temendo o futuro. Talvez assim a sinta mais próxima. Suspeito que mesmo que não houvesse goteiras em seu teto, ela as faria. Cada dor, cada frustração é engrenagem para a criação. Se a vida não foi suficiente para provocar sensações, ela mesma as constrói. É preciso fazer o universo de dentro por-se em movimento e aquela mulher sabe como o fazer. Basta um martelo e um prego. Um papel perfurado por um prego já não é mais uma folha em branco, é uma página mutilada, violada, crucificada. A escrita perfura o papel com o prego para dar-lhe ânimo. A personagem mata a escritora enquanto nasce.

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