Sutil Violento
Direção: Miguel Rocha
Texto: Evil Rebouças
Cia. Heliopolis
O lugar de fala é a obra. Excelente engajamento da trupe. A forma não é o estilo, e o estilo pouco importa. A forma é o cozimento, e o estilo é apenas uma variação entre tempero e temperatura. Estilo, tema e forma precisam encontrar o acordo ideal, Sutil Violento é a obra onde podemos teorizar sobre estes três eixos. E, antes do elogio, virá uma breve explanação. O tema, lugar onde encontra-se de fato o valor da matéria prima, ainda que possa estar ligado ao formato, não deve jamais nos fazer abrir mão do material estético. O discurso não mata o tabuleiro. Não é natural ao teatro o rompimento com a forma para que desta fissura vejamos sair academicismo ou falas puramente literárias. Ou Sófocles nos presentearia como uma tese acerca da moralidade, e não com Édipo Rei. É natural deste tempo, e deste tempo, espero, teremos vergonha quando tivermos evoluído na História e corrigido os fascismos que se auto intitulam inclusivos ou sociais. É preciso fazer teatro no teatro, não sendo elegante desfazer o teatro para, através de brutos empoderamentos, reativa-lo de forma ressentida. E se, coisa que me estranha muito, o teatro não lhe parecer capaz de condensar os pontos de seu discurso, corra para outra mídia. O teatro ainda necessita do jogo. Fazer as ideias acontecerem por meio do jogo, segundo regras e convenções, é manter vivo o mecanismo do teatro, portanto sua importância, sua identidade e função. Seu específico lugar no mundo. Dentro desta máquina tudo cabe, portanto não me parece justo que alguns coletivos matem a forma fazendo desta morte um veículo para expor discursos que negam-se à ser teatro. Corram para as tribunas e palanques e deixem o teatro em paz. A forma, inabalável estrutura capaz de transpor a ideia (do mundo das ideias) até a realidade observável, hoje tão deturpada pelas ideologias que deveriam caber no tema, vê-se inteligentemente utilizada nesta obra. Este encontro sim, entre modo de fazer e resultado em cena, quando capaz de energizar o tema, e assim honestamente expor sua tese, utilizando-se desta ponte formal entre ideal e realização, consegue de forma paradoxal chegar ao ponto de suplantar as ideologias ao redor e (sutilmente) impor um mundo (violentamente) complexo à ser coletivamente definido. Esta é a arte que pode vir a interessar alguém, a autorizar um grupo, a distribuir ideias e nivelar discursos ou fazer nascer opiniões e complexificar pontos de vista. A CIA Heliópolis, contendo grande carga pessoal, explícita em depoimentos, ainda assim, em uma atitude de enorme respeito para com a forma que toca, opta por um teatro que busca resolver-se através de seus instrumentos, não sendo autorizado à nenhuma área desconstruir a cena para adiante pseudo-construí-la segundo achismos da pessoalidade. A CIA Heliópolis apresenta um poderoso e bem-acabado produto frutificado entre evidente pesquisa, rigoroso processo e notável consciência do tempo que habita. Riquíssimo trabalho que abrange artes plásticas, jornal, luz e som, performatividade e performances de alto nível. A segunda metade do espetáculo, imaginando como meio o (já antológico) aborto, resolve com pluralidade de recursos boa parte das falas iniciais. Momento de maturidade que nos estimula a seguirmos acompanhando os trabalhos da cia. Belas sínteses visuais, como a passarela de ratoeiras, não devem jamais desaparecer do repertório de imagens do Teatro Brasileiro.
foto Geovanna Gellan