Irmãos (ou Lasanha de Berinjela 2)
Texto e direção: Vinícius Piedade
Com Marta Caetano e Vinícius Piedade
SP Escola de Teatro- SP
Lasanha de Beringela é um alimento e um texto que contém diversas camadas para apreciação, e é preciso fazer um corte em cada pedaço para entender como que se organizam seus sabores. Trocadilhos à parte, é assim que se desenvolve a poética do texto e direção de Vinícius Piedade em Irmãos. De caráter metalinguístico declarado, a realidade contida na ficção traz a analogia da escrita como construção de uma vida, um propósito ou uma obra, seja qual for a profissão. A vida não tem uma receita a ser seguida e a tradição não se encontra em palco a não ser por nostalgia dos personagens. A tradição é, afinal, um sabor e uma indulgência. É preciso uma “desreceita” para cada pessoa, um tema para cada obra de arte que o ser humano é (pra não deixar de receitar Shakespeare ;D). Somos escritores de nossa própria vida; uma ficção autobiográfica em construção dia a dia, página a página, com a reviravolta sempre à mão (só) dos corajosos autores de si. Deus existe como Eus existem, e o paradoxo do artista é afastar-se de seu ego, encarar a obra máxima dêitica de seu eu-até-então, e contestar o fim, o hoje, criar um novo hoje, um capítulo novo, se a história não lhe agrada. Ou, pelo menos, é o que imagino do artista em sua essência. Porque, se a busca por um tema fora de si não é capaz de reivindicar a mudança em si (e no ato de si no ato, só pra aumentar a camada da lasanha), então que artista é esse? — pergunta a personagem mais materialista da dupla. — Que artista é esse, quando sobram palavras e faltam sentimentos? Quantos bestsellers o travesseiro do sonhador suporta na carreira fatal dos quixotescos, cartolescos moinhos? E é por esses temperos e cozidas que o personagem-autor conduz nossos sentimentos, enquanto se desenvolve o conflito entre o irmão idealista, poeta e necessitado, e a irmã conformista e bem estabelecida, na busca de um entendimento que qualquer criador, mais pra ela ou mais pra ele, se busca no escrever de suas próprias páginas.
Considerações sobre a direção de atores E como toda obra que revela o próprio autor, sinto falta de contestar as bases autorais de estilo e auto receita. Embora eu seja um interessado por jogos de sentidos, percebo uma indulgência pessoal do autor/ator/diretor na forma como as palavras são entrelaçadas, trocadilhadas, impostadas à condição de poema dramático. O que é curioso, já que foi assim mesmo que percebi a questão da tradição citada lá em cima. Como cada berinjela tem seu tamanho e textura; como cada mão que descobre o peso e a força ideal para o corte certo; como os olhos que esbarram frase a frase a condução de uma história, falta à interpretação do elenco o frescor da descoberta, o ineditismo da palavra que é saboreada conforme se traz à boca. Seja, por exemplo, na cena em que são lidos trechos das páginas na mesa, muitas vezes de reação premeditada; seja nas falas em que desafiam-se os significados do vocabulário dramático (palavras mostradas ao público, mas já sabidas pelos artistas em cena); falta uma “leitura” do texto como se fosse a primeira vez. Descobrir o sentido das palavras conforme elas chegam. Desafio que qualquer artista encara no palco, mas a metalinguagem desta obra pede ainda mais atenção a esse aspecto. Porque a vida é isso: escrita, expressa e expressada nos tropeços das consoantes e no fluir das vogais. A obra não é minha, mas é o toque que eu daria para desreceitar a direção.
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