Sobre as Baleias
Ocupação Desconialidade: Poéticas da Resistência
Coletiva Vulva da Vovó.
Teatro de Arena, SP
Todos já pensamos um pouco a vida segundo os versos de Gente, de Caetano Veloso. Reclamar justiça tem sido nosso eterno retorno. E o teatro, em justa medida, a constante garganta para mediar os gritos dos oprimidos. Formalmente, a cena organiza-se de maneira episódica; impondo assim uma personagem que parece cercada sempre por estruturas surdas ao seu grito particular, isto funciona enquanto exposição da gênese e da sinopse. Tudo parece querer inviabilizar o luto daquela parcela da sociedade. A cor. O gênero. Sua força ancestral segue viagem e aqui surge o conflito. A cabeça que não abaixa. A resistência em tornar-se clandestina da própria narrativa. O olhar que nem sempre molha de sal a face negra. Este é o poder. Todas estas recusas querem dizer que podemos ser mais.A montagem reflete um panorama de tragédias sociais que hoje nos parece a mera condição humana no capitalismo. Ou o mais comum da vida nas cidades violentas. Essa violência que produz calma nos noticiários e na tv não deixa os artistas em paz. A teatralização da realidade insiste em deixar de apresentar suas contradições. Assim, o teatro é empurrado para a cena viva.Talvez isto tenha embarcado o coletivo em um termo de particularidades que podem tornar a obra menos porosa. Com isto quero dizer que, mesmo que a verdade seja dura, nada ali naquela tragédia está para criar estéticas miraculosas ou cenários deslumbrantes, é da natureza do teatro saber rever a textura da vida.As teatralidades propostas dão conta do tema, entretanto parecem teatralizar pouco seu conteúdo. Teatralizar não é amenizar. Não é tirar o dedo das feridas. Neste caso, a teatralização radical do tema poderia agarrá-lo por ângulos insuspeitados e inusitadamente reveladores – como por exemplo no singular e genial “ Quanto Vale ou é por Quilo”, de Sérgio Bianchi.Parece-me bastante contemporâneo do teatro político o engajamento total da equipe e da estética. Portanto, deixando um pouco As Baleias de lado e ampliando o medidor, deixo aqui uma fatia de pensamento em direção ao distanciamento que poderíamos incutir entre os realizadores e as formas.Sem esta distância, o quadro se revela apenas ao público e nunca ao pintor. Quero dizer que dentro da obra a sensação é uma. Uma dramaturgia que ouse rever a primeira sensação, que o tema nos trouxe mais do que ousada, será desestabilizadora. Uma atriz que construa sua personagem na contramão da realidade sempre poderá encontrar uma nova instância de significados. A cena não endossa. A cena pode ser mais violenta que a violência. E isso não carece uma recua – mas um ataque mais destemido e talvez menos atravessado pela razão. O teatro é ainda um fenômeno. E como o pensamento o é, talvez a cena ainda possa viabilizar-se segundo a falta de controle. O pensar não surge da mediação ética das ideias. Talvez o teatro possa apropriar-se desta especificidade e delirar um pouco mais seus temas e razões.A Coletiva Vulva da Vovó trata-se de um jovem grupo a certificar-se do material que deseja desenvolver enquanto luta política e social. Estão em uma direção interessante. Parecem agarrar com força sua pauta e fazer dela uma pertinente bandeira. Talvez o passo seguinte esteja em modelar esta energia legítima em torno de outras graduações de estilo e temperamento estético.
(crédito fotográfico não encontrado)