Brasil Cena Aberta 2019
A arte devora os muros
Quando soube da criação da plataforma Brasil Cena Aberta, o primeiro instante trouxe uma inquietação: será que precisamos de outra, quando nem experimentamos os resultados das demais? A resposta se dividiu em partes e merecem ser individualmente compreendidas. A primeira olha ao fato de haver sim uma sobreposição de plataformas de internacionalização de espetáculos. Como tudo por aqui, as coisas acontecem quase sempre atrasadas, e não se perde oportunidade de se fazer igual, de fazer também. No entanto, enquanto algumas apareceram, aqui e ali, de repente, o Brasil Cena Aberta tem sido gestado há algum tempo, e é a diferença do tempo dado ao seu surgimento que o torna mais interessante e cuidadoso. A segunda, de que é positivo termos plataformas com diversas experimentações de suas ações, ainda que se acumulem e tragam certa confusão aos programadores, curadores e produtores estrangeiros. Afinal, qual a melhor opção a se integrar, visto ser impossível estar presente em todos os eventos? Por isso os formatos oferecidos em cada encontro falam mais, diante suas capacidades de interpretar aos de fora os interesses nessas aproximações. Formatos mais caretas dão face a uma internacionalização circunstancial, cujo acesso aos artistas é principalmente pelos espetáculos, e estes se relacionariam como subprodutos ocasionais de suas programações. Formatos mais abertos convidam ao convívio com ideias, pensadores, criadores e olham aos espetáculos pela qualidade de responderem a quem são, portanto muito mais inquietos e sedutores ao descobrimento de artistas e pensamentos. O Brasil Cena Aberta ousou explorar simultaneamente diversos formatos e comprovou pelo múltiplo acesso o quanto há mais ganhos a todos quando assim. Por fim, a terceira parte, refere-se ao que se quer estruturar em níveis mais profundos dentre todos e, sobretudo, a nós. É no exercício de nos reinventarmos, a partir de decupagens singulares da nossa produção cultural e intelectual, que a ambiência artística encontrará suas próprias trajetórias, suas autoralidades. Ao incluir a produção intelectual junto aos artistas, seja por debates, palestras, encontros, lançamento de livros e livraria, o Brasil Cena Aberta potencializa a relevância dos espetáculos escolhidos e, ainda que diante do mercado internacional, reverte a condição de sua mercantilização para ser a exportação de um existir decolonial que agora grita ao mundo de volta sua própria personalidade. Ou seja, na soma das três partes, a plataforma evidencia a urgência de sua criação. Ganhamos todos. Se a plataforma descobre sua vocação à internacionalização de espetáculos ao se colocar em movimento prático, também é especial que os artistas percebam a necessidade de, cada vez mais, profissionalizarem suas inquietações.
Diante os dispositivos disponibilizados – Pitchings (apresentação de um projeto aos convidados), Showcases (apresentação de um recorte do espetáculo), Estandes (apresentação mais ampla de diversos trabalhos ou companhias), Grupos de Trabalhos (reflexão coletiva com intuito de provocar proposições a questões específicas), Oficinas (encontros de trabalho com profissionais e experiências estrangeiras) – é fundamental aos grupos e artistas que definam qual ou quais melhor se adapta a suas linguagens e pesquisas e, de forma mais radical, a quem se destinam. Foi um primeiro gesto de todos os participantes, em São Paulo, e isso é, por si, grandioso, ainda que, por vezes, um tanto confuso, enquanto buscavam dar conta de assumir as muitas maneiras de se apresentarem. Faz parte. Quando os espaços são raros, as chances devem mesmo ser devoradas. Passada a primeira experiência, será importante os artistas darem um passo atrás, olharem à distância, estudarem-se e se reinventarem à próxima oportunidade, pois, ao tempo, nada impede a plataforma de se tornar grandiosa. Do outro lado, o Brasil Cena Aberta talvez possa contribuir junto aos artistas com uma preparação mais meticulosa. Compreendendo os convidados, é (pelo menos por hora) necessário apresenta-los aos participantes, suas linhas curatoriais, suas escolhas programáticas, seus próximos projetos, alguns de seus principais interesses. Esse exercício diante do computador, tal como pode ser, faz-se confuso aos não acostumados, pois é o ambiente das artes cênicas internacional demasiadamente complexo para ser percebido e destrinchado. Enfrentá-lo sozinho é como se ver diante um labirinto. Qualquer auxílio, então, por mais que isso seja didático, será útil para a introdução dos primeiros esboços sobre festivais, programas e personalidades envolvidas.
Por último, é necessário estar. E não apenas por ter ali seu trabalho exposto. Não apenas para vender. É preciso circular, encontrar, conhecer o outro, e fazer da convivência o melhor meio de aproximação. Tinha por expectativa que a Praça das Artes estaria lotada de artistas afoitos por viver o Brasil Cena Aberta ao máximo. Para alguns, isso ocorreu. Para muitos, não todo o tempo, mais ao que foi possível. Para a imensa maioria a quem se destina a plataforma, a ausência deu o tom de seus desinteresses. Ao não se abrir ao diálogo, o artista acabará limitado a ele próprio. Ao se colocar participativo, o artista fará do Brasil Cena Aberta o espaço mais aguardado ao conhecimento de espetáculos, artistas e intelectuais. Na profunda soma entre criação e ideias, o Brasil Cena Aberta nasce como quem se afirma à favor da Cultura. Essa é a diferença do seu querer internacionalizar o que aqui é produzido. Alguns querem apenas vender. O Brasil Cena Aberta parece surgir para reinventar os velhos mundos. Inclusive os que insistem existir dentro de nós.Vida longa. Foi belo. E foi foda.
Ruy Filho
registros: Patricia Cividanes
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Ruy Filho e Patrícia Cividanes acompanharam a programação a convite do festival.