FESTIVAL CONTEMPORÂNEO DE SP 2019
APROXIMAR OLHOS PARA VERMOS JUNTOS
NNo processo de internacionalização das artes, crescente no Brasil, o pitch tem sido um dos recursos mais utilizados. Em poucas palavras: apresentar de modo sucinto uma pesquisa, uma obra, afim de demonstrá-las com agilidade a curadores, programadores, espaços culturais ou instituições. Algumas vezes em forma de rodízio dos artistas, diante convidados acomodados em mesas individuais; outras sobre o palco, revelando os trabalhos ao grupo presente, quase sempre em evento aberto. Este formato faz o encontro sofrer de uma espécie de formalização sobre o produto e a dinâmica se voltar especialmente ao imediatismo dos tais materiais, algo que, agora experienciado em muitos modelos, já é possível ser discutido. Tenho isso, serve?, seria um bom resumo. Todavia faltam perguntas fundamentais a ambos os lados. Da parte dos artistas saber quais os interesses do outro; da parte do outro, conhecer mais das questões que movem os artistas para além de sua produções. É nessa relação do encontro, sobretudo, que a produtificação é superada e se constrói a aproximação real.
No subsolo do Centro Cultural São Paulo, Sala de Ensaio, as poucas pessoas presentes podiam ser divididas em quatro grupos: 1. artistas escolhidos, 2. convidados de espaços culturais europeus, 3. curadores e equipe do Festival Contemporâneo de São Paulo (antes FC de Dança) e 4. eu. Minha função era assistir e trocar com todos o que pudesse e interessasse. Assim, entre as apresentações, informalmente, junto a alguns programadores, falava mais objetivamente sobre os artistas e pesquisas, levando em conta minha condição de crítico de artes cênicas, o que fora muito bem recebido; aos artistas, antes e depois, uma devolutiva sobre o que poderá ser dali adiante, ora até mesmo sugerindo outros parceiros e caminhos para além dos que lá estavam; a Adriana e Amaury, curadores do festival, uma devolutiva sobre o funcionamento e validade da ação empreendida como meio de percepção às próximas tentativas. A qualidade de poder circular de maneira transversal, em diálogo imediato, trouxe parte da compreensão do escrito acima. E algo mais: a sensação de estar na intimidade, ainda que formalizada por dinâmicas necessárias, o mais profundo ao reconhecimentos de todos sobre todos.
Não eram 5 ou 10 minutos, mas o quanto necessitassem, e isso fez com que artistas se mostrassem para muito além daquilo que traziam. Alguns foram intelectualizados, outros emotivos, também houve os divertidos, os performáticos, e a constatação final descrita pelos programadores fora de uma diversidade singular de criadores no Brasil. Veja, criadores, não obras, necessariamente. Este é um dos ganhos do provocado, pois amplia o interesse da EDN – European Dancehouse Network à produção geral indo além dos presentes. Significa perceber, então, a assertividade na escolha dos nossos artistas por parte dos curadores, que souberam traduzir o panorama complexo e extremamente rico da dança contemporânea brasileira, afim de produzir curiosidade e não respostas aos representantes de Portugal, França, Irlanda, República Tcheca e Finlândia com a função de levar de volta aos demais da EDN o que aqui encontraram. Entre os apresentados nos dois dias de pitch e os ensaios fechados aos programadores, outros nomes surgiam e foram identificados criando uma rede intensa de afeto e criatividade. Presentes, de uma forma ou outra, Beatriz Sano, Clarice Lima, Clarissa Sacchelli, Daniel Kairos, Eduardo Fukushima, Eliana Santana, Elisa Ohtake, Elisabete Finger, Leandro Souza, Marcos Moraes, Marta Soares, Natalia Barros, Pedro Galiza.
Algumas pesquisas se esbarravam por suas escolhas estéticas, outras pelas abordagens conceituais. Todavia, o mais inquieto fora serem percebidas tão distintas a partir da singularidade de cada criador. Não a toa, a resposta dada, durante o encontro aberto ao público com programadores, foi não haver um caminho para que se realize e apresente os trabalhos em outros países, a não ser por meio de sua aproximação afetiva, quando os encontros se concretizarão por afinidades diversas e ao tempo. Este sim o valor mais especial a ser apreendido por aqui: o futuro.
Pela primeira vez, vi artistas olhando aos olhos de convidados internacionais sem pressa, perdendo a urgência própria das vendas circunstanciais, assim como programadores interessados em conhecer pessoas e não apenas obras catalogáveis ao utilitarismo imediato das lacunas de suas próximas programações. O entendimento comum era do futuro existir como possibilidade a reencontros produtivos e criativos, nos quais as parcerias se realizarão a partir do reconhecimento mútuo. Sem isso, como pude acompanhar em outras práticas, o artista é somente um subproduto de programadores, e programadores se tornam mero mecanismo de mercantilização de artistas. O Festival Contemporâneo de São Paulo demonstrou o quanto isso pode ser facilmente superado sem precisar fazer do gesto um acontecimento midiático superficial, propondo a aproximação humana do artista, com suas crises, dúvidas, temores, ansiedades, valores, inquietações, vontades, tentativas, respostas e perguntas. Um experimento novo, especial e único, até aonde percebo também pelos relatos de artistas que participaram de encontros iguais em outros festivais.
De fato, poucos convidados e certeiros aos artistas que lhe interessariam. Poucos artistas e precisos às curiosidades dos programadores. Uma curadoria generosa a ambos, em que o importante não fora tornar o pitch um evento, mas uma possibilidade afetiva de desenvolvimento de futuros. Não haveria de ser diferente, tratando-se de Adriana e Amaury. Desde que os acompanho, a gentileza tem sido a marca de suas ações. Com apenas dois espetáculos, o Festival Contemporâneo de São Paulo conquista 2019 provando não se tratar de insistir em ser quantitativo ou pela espetacularização de nomes e escolhas, e sim do quanto reunir e estar junto posse ser transformador a um pequeno grupo capaz de espalhar e multiplicar ideias por muitos canto. Tenho a expectativa de em breve ter notícias sobre muitos que se apresentaram nesse pitch em diversas programações. E que a Europa é mesmo logo ali, basta sabermos seduzir a partir daquilo que somos, e não apenas do que temos. Porque, diante o quadro geral da cultura no Brasil, certamente passaremos por um período em que teremos cada vez menos, o que não quer dizer que deixaremos de existir.
fotos Jônia Guimarães
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